Campo Largo
Na primeira quinzena de setembro dos anos oitenta do
já sepultado século XX, ocorria a tão esperada boca-das-águas. O vento soprava do norte, redemoinho soprava de
todos os lados, Ioiô silenciosamente pegava a sua bicicleta, enxada e se
mandava para a lapa do mundo, com fé e esperança na quadra tão sonhada.
A partir desse momento as amarguras, que tinham
morada na mobília de seu coração, pediam licença pra se retirar
temporariamente, pois logo todos os sentidos do meu velho e companheiro avô seriam
visitados com louvores dos cabeças-de-lenços,
do canto fino de Zé Pretinho e com a visita de vários casais de preás. Seus
olhos ficavam maravilhados com os bandos de ariris riscando os ares de um
cenário que até pouco era opaco, tristonho e vazio de sentido.
O que tem para ensinar um
velho amargo que ficou órfão do riso ao perder o seu maior tesouro para o
flagelo da seca? Todos os seus filhos o abandonaram, para ir à busca dum tal “futuro
melhor”. A fortuna não lhe deixou ao relento de afetividade por completo,
presenteou esse velho com um neto de “criação” pra ouvir seus ensinamentos e
ouvir estórias com fundamento moral, estórias de cobras voadoras e encantadas,
vermes de longos metros, filhos mais velhos que os pais, lajedos que serviam
para se alimentar (lambendo é claro).
Todas essas estórias eram narradas com o intuito de me ensinar a ser um
homem de boa vontade, ser um bom companheiro, nunca trair os amigos, e ser
sempre grato aos céus por ter o que comer, “pois é melhor ter o que lamber, do
que ficar sem comer” – dizia ele. Sempre que lastimava as minhas míseras condições,
ele logo me lembrava de que “tinha pessoas que era tão desvalida, que não tinha
nem o que se lastimar”.
Se meu avô ficava alegre a
ponto até de ensaiar alguns sorrisos com a visita da chuva, eu cá do meu lado,
com alma de poeta, olhar atento de um bom aprendiz de filósofo, ficava deslumbrado
com tanta beleza. As lagoas cheias no meu imaginário se tornavam vários mares,
nesse vasto sertão de Deus. Via beleza nas flores amarelas dos imbuzeiros, na
forma mágica como a caatinga se desabrochava com tamanha rapidez, com as
chegadas de uma diversidade de pássaros, canto de sapo, tudo era festa,
esperança e ilusão. Como a vida é engraçada, era um tremendo poeta, um
excelente filósofo e não sabia. Oh tempo lindo aquele dos meus dez anos, que “mexe
e vira , vira e mexe”, volta nas minhas lembranças. Saudades da minha infância?
Ou o início das horas mortas do sonhar? Ou que quem sabe uma tentativa de
renascer o poeta lá das quadras dos dez anos? Quem sabe! Eu cá não sei, só sei
que tão pouco sei, mas sei que daria tudo que sei hoje por uns punhadinhos de momentos
daquela infância querida lá no Campo Largo.
por Gilson Rodrigues Bonfim
Setembro de 2010
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirBelo texto, meu caro, continue no caminho do deserto, do Sertão e da escrita,todos eles tem algo em comum, foram neles que a civilização encontro-se com o Sublime...!!
ResponderExcluir28 de dezembro de 2012 09:32